A cena é forte e cheia de significados. E foi publicada sem nenhum alarde. Nela, o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva aparece de pé, solitário, prestando continência a um monumento aos mortos da Força Expedicionária Brasileira (FEB), em meio aos Montes Apeninos, na Toscana, em comemoração à vitória aliada na Itália. Era 28 de abril.
Ninguém prestou atenção à cena no Brasil. Não muito longe dali havia mais estudantes italianos homenageando os pracinhas na cidade de Montese do que líderes brasileiros exaltando os que morreram na mais justas das guerras. Lula esteve na Itália no dia 26 de abril. Foi ao funeral do papa Francisco. Podia ter permanecido mais dois dias na Itália para homenagear os 457 pracinhas mortos na Itália.
Ali encontraria o general Tomás e poderia acompanhá-lo no momento solene, diante da lembrança aos mortos. Repetiria na Itália o retrato feito no quartel-general do Exército, em Brasília, quando o chefe do Executivo participou de uma dupla comemoração no dia 16: a do Dia do Exército, dentro da qual se engatou uma menção à vitória da FEB.
Nas semanas seguintes, as comemorações se sucederiam nos quartéis em cada unidade febiana, com a presença de uns veteranos, como no 6.º Batalhão de Infantaria Aeromóvel (6.º BI Amv), da Brigada de Infantaria, em Caçapava (SP). Mas nenhum prócer do governo compareceu ali para demonstrar a gratidão do País a Jarbas Dias Ferreira, de 103 anos, e Florentino Zandonadi, de 102.
Os dois pracinhas fizeram parte dos 25 mil brasileiros – entre os quais estavam comunistas, como o cabo Jacob Gorender e o tenente Salomão Malina – que foram ajudar a derrotar o nazifascismo na Europa. Tomás embarcou para Itália na semana seguinte e foi saudar o sangue brasileiro derramado no conflito mundial.
A comitiva do general era minúscula, comparada àquela que o presidente Lula levou a Moscou. O monumento diante do qual o general se prostrou fica em uma localidade chamada Abetaia, na cidade de Gaggio Montano, lugar onde dezenas de brasileiros foram ceifados pelo fogo alemão quando tentavam conquistar o Monte Castelo. É uma história que todos deviam conhecer.
Bastava Lula ficar dois dias a mais na Itália. Se o petista quisesse agradar ainda mais seu público, poderia ir a uma das dezenas de festas promovidas pela ANPI, a Associazione Nazionale Partigiani d’Italia, para celebrar o Dia da Libertação, em 25 de abril. A data é feriado nacional italiano e comemora a derrota dos repubblichini di Salò, os fascistas da República Social Italiana, o governo títere dos nazistas criado por Mussolini após a rendição italiana, em 8 de setembro de 1943.
Repubblichini e nazistas lutaram contra os homens e as mulheres do 5.º Exército dos EUA, ao qual a FEB estava ligada, do 8.º Exército Britânico e das forças da resistência italiana, os partigiani, formadas por comunistas, socialistas, democrata-cristãos e liberais. Teresa Isenburg, em sua obra O Brasil na Segunda Guerra Mundial, mostra a história do importante papel dos guerrilheiros italianos que lutaram ao lado da FEB.
Para quem já esqueceu, 69 mil deles morreram na luta contra os nazifascistas; outros 62 mil desapareceram no conflito. Foi a Divisão Modena/Armando, chefiada por Mario Ricci, que libertou a cidade de Porretta Terme, localidade que serviu depois de quartel-general para a FEB, na Toscana.
Ricci, o comandante Armando, era um comunista veterano da guerra civil espanhola. Sua unidade foi enquadrada no 5.º Exército Americano e acabou reconhecida como força beligerante. Bella Ciao, canção hoje mais conhecida por causa de seriados e filmes, é desde então a música presente em toda comemoração do 25 de abril. Lula poderia aprender essas coisas antes de embarcar para Moscou.
Em vez disso, resolveu comparecer ao Kremlin para apertar a mão do ditador Vladimir Putin na semana que o IBGE divulgou seu novo mapa-múndi, que coloca o Brasil no centro do globo. Faltou pouco para rebatizar o Golfo da Guiné como Golfo do PT. É no mínimo estranho perceber aproximações ou semelhanças com o governo de Donald Trump? Lula e o americano são diferentes. Profundamente. Mas se igualam em uma coisa: a capacidade para produzir bobagens.
Seria mera desculpa para a viagem a Moscou a decisão de homenagear os milhões de soviéticos que ajudaram a garantir nossa liberdade quando “morreram pela Pátria”, como contou em sua novela o escritor Mikhail Sholokhov, o soviético que ganhou o Nobel de literatura? Enquanto Lula apertava as mãos de Putin, Macron (França), Merz (Alemanha), Starmer (Reino Unido) e Tusk (Polônia) iam a Kiev conversar com Zelensky. Sem arrancar do russo um mísero dia a mais de cessar-fogo, lá se foi Lula para Pequim.
Não sem antes assistir ao desfile militar russo ao lado de um presidente que busca mentir sobre o passado, que esconde a participação da KGB no massacre de oficiais poloneses em Katyn e busca culpar os poloneses pela invasão alemã, em 1º de setembro de 1939. Enquanto isso, o general Tomás fazia aquilo que o País espera há muito da República: o reconhecimento e a gratidão em relação aos brasileiros – comunistas, liberais e conservadores – que lutaram contra o nazifascismo. A República precisa reivindicar seus símbolos e não há nenhum maior do que o da vitória na Itália.
Análise por Marcelo Godoy
Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero
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