Em meio às investigações da Polícia Federal que apontam desvios bilionários por meio de descontos indevidos em aposentadorias do INSS, cresce a disputa política sobre quem seria o responsável por criar o terreno legal para o roubo.
De um lado, parlamentares bolsonaristas, como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), acusam a base do governo Lula de ter arquitetado o esquema.
Do outro, aliados do atual governo culpam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) e sua base no Congresso por criarem brechas legais que teriam facilitado os desvios.
No entanto, uma análise detalhada nos registros da Câmara e do Senado da tramitação das medidas provisórias e leis sobre o assunto, publicada pela colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, revela que parlamentares de partidos de esquerda, então na oposição, lideraram articulações no Congresso para alterar medidas provisórias e decretos do governo Bolsonaro.
A gênese das mudanças que abriram espaço para os descontos em massa está na Medida Provisória 871, editada por Bolsonaro em 2019. A MP tinha como objetivo, segundo o governo à época, combater fraudes e irregularidades na concessão de benefícios.
No entanto, durante sua tramitação no Congresso, partidos de esquerda apresentaram dezenas de emendas que enfraqueceram dispositivos de controle e fiscalização.
Essas emendas, muitas delas do PT, PCdoB e PSB, ampliavam prazos, de um ano para até cinco anos ou mais, para a revalidação de autorizações de descontos feitos por associações e sindicatos diretamente nos benefícios dos aposentados.
Ao menos 12 dessas emendas tinham trechos idênticos na exposição de motivos, que terminava com: “Assim, revalidar cada autorização anualmente torna o desconto da mensalidade social praticamente inviável”.
Durante a sessão que discutiu a MP, o senador Jaques Wagner (PT-RJ) usou argumento parecido.
“Combater a corrupção ou chamar a aposentadoria indevida é bem-vindo. Mas não vamos jogar a criança junto com a água suja para fora. Em todas as instituições, seja em sindicato de trabalhador, seja em sindicato empresarial, você vai achar gente boa e gente ruim. Agora você simplesmente aniquilar a participação dos sindicatos, eu acho extremamente nocivo.”, disse.
O então relator da MP, deputado bolsonarista Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), acatou parte dessas propostas.
Segundo fontes do antigo governo ouvidas por Malu Gaspar, o Planalto preferiu não vetar as alterações para evitar um revés no Congresso que poderia levar à perda total de fiscalização sobre o sistema.
Entre as entidades beneficiadas com os descontos está a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), que recebeu R$ 426 milhões apenas em 2023.
A entidade é atualmente uma das investigadas pela Polícia Federal no âmbito da Operação Sem Desconto, que apura os roubos nos benefícios previdenciários.
Em discurso à época da votação, quando as emendas da oposição (hoje governo) foram aprovadas, o deputado Carlos Veras (PT-SP), irmão do ex-presidente da Contag, exaltou o resultado das negociações no Congresso como fruto da mobilização do partido e de sindicatos para “salvar os trabalhadores”.
“Fruto de vários dias de muito esforço, de muito trabalho, principalmente da Contag e de suas federações, do Partido dos Trabalhadores, dos partidos do campo, da Esquerda, a fim de construir uma emenda que pudesse, nesta MP 871/19, salvar os trabalhadores e as trabalhadoras”, disse Veras.
A bancada do PT, em nota oficial enviada à colunista, afirmou que sua atuação teve como foco impedir o que chamou de “cassação de direitos” promovida pela MP.
“A MP criava as condições para promover uma exclusão em massa desses beneficiários. A principal luta do Partido dos Trabalhadores era para impedir a cassação de direitos”, afirma.
Segundo os petistas, a medida era um mecanismo de suspensão sumária de benefícios, sem garantir ampla defesa aos segurados.
“Um mecanismo de suspensão sumária de beneficiários, uma forma de cassar direitos, não respeitando sequer o direito de ampla defesa e presunção de boa-fé”, disse o partido.
Confira nota completa do partido:
“O centro da MP 871/19 não era o desconto de mensalidades de beneficiários do INSS, conforme dizia sua ementa. A matéria, de autoria do governo Bolsonaro, tinha como objetivo principal fazer um suposto “pente-fino” em irregularidades no INSS, BPC e Bolsa Família.
Na verdade, a MP era um mecanismo de suspensão sumária de beneficiários, uma forma de cassar direitos, não respeitando sequer o direito de ampla defesa e presunção de boa-fé.
Importante destacar que a grande maioria dos beneficiários é de pessoas de baixa escolaridade, com pouca inserção em novas tecnologias, o que dificultaria a manutenção de seus direitos. A MP criava as condições para promover uma exclusão em massa desses beneficiários. A principal luta do Partido dos Trabalhadores era para impedir a cassação de direitos.
Além disso, também atuamos fortemente para impedir que a MP modificasse mecanismos de comprovação da atividade rural para a agricultura familiar. Nós adotamos, sim, uma obstrução e uma posição muito firme de crítica à MP nesse aspecto, o que poderia ter sido facilmente comprovado por meio da análise da tramitação da matéria e suas notas taquigráficas.
O PT nunca atuou para relaxar prazos em descontos de mensalidades. Nossa obstrução jamais foi para relaxar combate a fraudes. É errado atribuir ao PT e às esquerdas algo nesse sentido. Quem mudou a lei para ampliar o prazo de validade das autorizações dos descontos de 1 para 3 anos foi exatamente o relator da base bolsonarista, deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), conforme seu parecer.
O tema dos descontos era colateral, não foi objeto de votação nominal nem de destaques naquela ocasião.
Não há que se falar em guerra de versões. A verdade é uma só: as alterações legislativas ocorridas durante o governo Bolsonaro no tema dos descontos associativos no âmbito do INSS são de responsabilidade do ex-presidente e de seus aliados no Congresso.”
Diário do Poder
Source: RS Notícias: Esquerda facilitou descontos que roubaram aposentados
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