Para quem vive repetindo que “mentir precisa voltar a ser errado”, o ministro Barroso divulgou uma nota de resposta às críticas da Economist que é, no mínimo, bastante questionável.
Comecemos pelas primeiras justificativas das ações do Supremo nos últimos anos, supostamente voltadas à “defesa da democracia” e “das instituições”. Segundo o ministro, o Tribunal agiu diante das ameaças representadas pela invasão às sedes dos Três Poderes, pelos acampamentos em frente aos QGs do Exército, por uma tentativa de explosão de bomba no aeroporto de Brasília e por uma “alegada tentativa de golpe, com plano de assassinato do presidente, do vice‑presidente e de um ministro do Tribunal”. Sem entrar no mérito desses argumentos, é preciso observar a ordem dos fatos: todos esses episódios ocorreram DEPOIS de a Corte ter instaurado uma investigação que, na prática, promoveu censura e perseguição em massa à direita brasileira, e DEPOIS de Lula ter sido solto e ter suas condenações anuladas — assim como, praticamente, as de todos os demais condenados no maior escândalo de corrupção da história. Não bastasse, o processo eleitoral foi marcado por censura sistemática à direita, chegando‑se à proibição prévia de um documentário. Sintomaticamente, permitiu‑se que Lula chamasse Bolsonaro de “genocida”, mas proibiu‑se que Bolsonaro chamasse Lula de “ladrão”. Pergunta‑se: se Lula não tivesse sido “anistiado” pela Corte e não houvesse perseguição à direita desde 2019, teria havido revolta popular? Por que a Corte usa fatos ocorridos APÓS suas decisões para justificá‑las? O ministro cita pesquisa Datafolha segundo a qual 24 % da população “confia muito” e 35 % “confia um pouco” no Tribunal, concluindo que “não existe crise de confiança”. Por que o ministro escolheu o Datafolha, e não outro instituto de pesquisa? Por exemplo, o levantamento mais recente da Atlas Intel (set./24) — um dos poucos institutos que acertou o resultado das eleições americanas — indica que 50 % dos brasileiros NÃO confiam no Supremo, contra 47 % que confiam. O ponto, entretanto, não é a popularidade — cortes constitucionais existem para defender a Constituição, não para angariar aplausos. O requisito central é a imparcialidade. A mesma pesquisa da Atlas Intel indica que 88 % dos eleitores de Lula confiam na Corte, enquanto 95 % dos eleitores de Bolsonaro não confiam. Ou seja, consolidou‑se a percepção de alinhamento do Tribunal à esquerda. Há, portanto, uma PROFUNDA crise de confiança, ao contrário do que afirma o ministro. Pior: cresce também a sensação de IMPUNIDADE diante da corrupção promovida pela classe política. Em resposta a outra crítica da revista, Barroso alega que a rede social X foi retirada do ar no Brasil por “ter retirado seus representantes legais do país, e não em razão de qualquer conteúdo publicado”. FALSO. A X foi suspensa porque se recusou a cumprir ordens de bloqueio de perfis e de censura de conteúdos que, segundo a empresa, violavam o ordenamento jurídico brasileiro — o qual proíbe censura prévia e exige remoção específicas de conteúdos, e não remoção de perfis, com direito de defesa. Só após a ameaça de prisão dos representantes legais é que eles foram destituídos, e isso serviu de pretexto para derrubar a plataforma. Em seguida, a X enviou à Câmara dos Deputados dos EUA todos os pedidos de banimento recebidos, e de censura de conteúdos, muitos deles feitos sem notificação aos usuários e com prazos de poucas horas — sem qualquer oportunidade de defesa. O ministro ainda sustenta que “todas as decisões de remoção de conteúdo foram devidamente motivadas e envolviam crime, instigação à prática de crime ou preparação de golpe de Estado”. Então, em qual dessas hipóteses se enquadra o documentário sobre a facada em Bolsonaro, censurado pela Justiça Eleitoral durante a campanha? Ou o meu post que reproduzia a declaração de voto em Lula feita por um satanista e foi censurado? Há CENTENAS de exemplos semelhantes. O argumento mais constrangedor, porém, é a negação de que ele tenha dito que a Corte “derrotou Bolsonaro”. Durante 59º Congresso da UNE, em julho de 2023, Barroso afirmou, com todas as letras: “nós derrotamos o bolsonarismo” — declaração devidamente registrada em vídeo. A repercussão foi tão negativa que o ministro divulgou nota de retratação: “Na data de ontem, em congresso da União Nacional dos Estudantes, utilizei a expressão ‘derrotamos o bolsonarismo’, quando, na verdade, me referia ao extremismo golpista e violento que se manifestou em 8 de janeiro e que corresponde a uma minoria” — texto disponível no próprio site do Supremo. De fato, mentir precisa, sim, voltar a ser errado.
Post de Leandro Ruschel
Fonte: https://x.com/leandroruschel/status/1913951536004166079?t=a2gqRlVX0sVJY4R1Jh7CUg&s=19
Leave a Reply