- Sintomas de depressão, ansiedade e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) afetaram grande parte da população nos primeiros meses;
- Mulheres jovens e pessoas de baixa renda foram os grupos mais atingidos;
- Um dos principais fatores para a piora ou manutenção dos sintomas foi não ter recuperado as perdas materiais;
- Pessoas com maior vulnerabilidade socioeconomicamente apresentaram menor redução dos sintomas ao longo do tempo.
“Quando a pessoa não recompõe a vida material, os sintomas de saúde mental progridem pior”, resume o pesquisador Santiago Diefenthaeler (Ufrgs).Ecoansiedade e o medo do “vai acontecer de novo”O pesquisador Gibson Weydmann (INCT-Sani) explica que muitos gaúchos vivem hoje uma forma de ecoansiedade: o pavor constante de novos desastres climáticos. “Tem quem quer mudar o mundo, quem fica paralisado de medo e quem simplesmente tenta ignorar, porque acha que não tem mais jeito”, diz. Estudos preliminares em escolas de Porto Alegre e Canoas já detectam altos índices de ansiedade, depressão, TEPT, alcoolismo e até ideações suicidas entre crianças e adolescentes das áreas mais afetadas.Quando a ajuda chegou (e quando não chegou)A Secretaria Estadual da Saúde investiu milhões em equipes multidisciplinares de saúde mental nas regiões atingidas, mas a rede psicossocial continua defasada frente à demanda. Iniciativas voluntárias, como o projeto Vagalume, coordenado pela psicanalista Cristina Kern (que já atuou na Kiss e na pandemia), continuam atendendo gratuitamente sobreviventes e voluntários de resgate. “Muitas pessoas chegavam tomando remédios por conta própria, desorientadas. Encaminhamos para psiquiatras e continuamos o acompanhamento”, conta Cristina.A força do coletivo: bordados, abraços e grupos de WhatsAppEm meio à dor, surgiram formas de resistência comunitária:
- No Vale do Taquari, mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) bordam arpilleras — técnica chilena usada na ditadura — registrando perdas, luto e reconstrução. “É o que ajuda a sobreviver”, diz Juraci.
- Em Eldorado do Sul, Carolina Trapp criou um grupo de WhatsApp com vizinhos para cobrar soluções do poder público e, principalmente, se apoiar. “Quando um cai, a gente levanta o outro.”
Um trauma que não passa sozinhoPsicólogos e psiquiatras são unânimes: quem apresenta ansiedade, insônia, taquicardia, choro fácil ou medo intenso de chuva deve procurar ajuda — mesmo que ache que “não está tão mal”. “Psicoterapia não é só para quem está em crise grave. É o que ajuda a processar o que a enchente reativou ou criou de novo”, alerta Cristina Kern.Um ano e meio depois, a água baixou, mas para milhares de gaúchos o pesadelo ainda não acabou. A cicatriz que ficou não é só nas paredes das casas: está na mente, no coração e no medo constante de que a próxima chuva leve embora o que sobrou — inclusive a esperança.
Correio do Povo
