por Jurandir Soares
Apesar da gravidade interna, Trump volta os olhos para fora, agitando bandeira da influência geopolítica
O governo Trump vive um de seus momentos mais contraditórios. Enquanto o presidente norte-americano insiste em se colocar como mediador e “resolvedor” dos grandes conflitos mundiais, seu próprio país enfrenta o mais longo shutdown da história. A paralisação parcial da máquina administrativa já chega ao 39º dia neste sábado, atingindo setores essenciais, desde aeroportos e fronteiras até programas sociais.
Milhares de servidores seguem sem receber, e o impacto econômico se espalha em cadeia, atingindo o comércio, o turismo e até a credibilidade do governo. O atraso nos voos vem se acumulando. Apesar da gravidade interna, Donald Trump insiste em manter os olhos voltados para fora, agitando a bandeira do poder militar e da influência geopolítica, numa tentativa de reafirmar liderança global e, simultaneamente, abafar a crise doméstica que ameaça corroer sua popularidade.
DESISTÊNCIA
No cenário internacional, a postura de Trump vem sofrendo reveses. Depois de reiteradas tentativas de aproximação com Vladimir Putin, o presidente norte-americano parece ter perdido o interesse em encontrar uma solução para o conflito na Ucrânia. As negativas e manobras diplomáticas do líder russo frustraram qualquer expectativa de protagonismo de Washington nesse tabuleiro.
Assim, o governo norte-americano muda o foco, buscando novos alvos para reafirmar sua autoridade. Ao se afastar da questão ucraniana, Trump sinaliza uma espécie de desistência temporária, ou ao menos uma pausa estratégica, enquanto procura um novo palco para exibir poder e desviar o olhar interno da crise política e administrativa que o cerca.
INTIMIDAÇÃO
Esse novo palco é a América Latina — mais precisamente, a Venezuela de Nicolás Maduro. Em declarações recentes, Trump afirmou que não pretende atacar o país, mas suas ações dizem o contrário. Nos últimos dias, enviou para o Caribe aviões, navios de guerra e submarinos, e ainda ordenou o deslocamento do USS Gerald Ford, o maior porta-aviões do mundo, do Mediterrâneo para o Atlântico próximo às costas venezuelanas. Como se não bastasse, determinou a reabertura de uma base militar em Porto Rico, fechada há 23 anos.
Os movimentos configuram uma clara estratégia de intimidação, um gesto de poder projetado tanto para Caracas quanto para o público doméstico norte-americano. Trump tenta, assim, reafirmar a imagem de força que o caracteriza desde o início de seu mandato.
DISTRAÇÃO
Essa escalada militar, no entanto, tem um objetivo que vai além da política externa: distrair a opinião pública. Diante do colapso interno causado pelo shutdown, Trump precisa manter o noticiário ocupado com temas que pareçam grandiosos e patrióticos. A retórica de ameaça à Venezuela cumpre essa função, desviando as manchetes do sofrimento de milhares de famílias norte-americanas afetadas pela paralisação do governo.
O discurso da força, somado à exibição de poderio militar, substitui o debate sobre ineficiência administrativa por uma narrativa de liderança e coragem. Trata-se de uma velha tática política – quando a crise aperta dentro de casa, muda-se o foco para o inimigo externo.
CONTRADIÇÃO
A contradição, porém, é evidente. Um governo que se diz defensor da paz e da estabilidade mundial não pode, ao mesmo tempo, sustentar ameaças bélicas a países vizinhos e negligenciar sua própria população. Trump tenta equilibrar-se entre a imagem de líder forte e a realidade de um país paralisado por impasses políticos e orçamentários. A cada novo movimento militar, cresce a percepção de que a Casa Branca busca encobrir sua fragilidade interna com demonstrações de força no exterior.
O resultado é um cenário de incerteza: uma superpotência mergulhada em sua maior crise administrativa enquanto projeta poder sobre o mundo. O paradoxo do governo Trump parece resumir-se assim – um império em alerta, mas internamente paralisado.
Nota: Estou saindo em férias e a coluna volta no dia 29 de novembro.
Correio do Povo